sábado, 2 de maio de 2009

Dinheiro não é riqueza

Algo realmente me incomoda nesses analistas econômicos de hoje: o fetiche que eles têm pelo dinheiro. Falam que se o governo americano não ajudar os bancos, instituições financeiras e empresas em dificuldade, a economia vai entrar numa espiral econômica descendente, pois vai haver menos consumo e com menos consumo as indústrias param de contratar, aumentando o desemprego, que vai puxar a economia para baixo novamente e assim em diante.

Só que esses “analistas” não sabem que dinheiro não é riqueza. Riqueza é abundância de bens desejáveis. Se alguém produz algo que não possui valor de mercado superior aos insumos e tempo alocado, essa pessoa destruiu riqueza, além de perder o próprio tempo e insumos. E você pode produzir algo que tinha valor na época que você começou, mas que ao fim não possui valor superior aos insumos (p.ex.: máquina de escrever).

Ninguém deseja dinheiro como pedaço de papel (salvo colecionadores). Pessoas desejam bens, serviços; não dinheiro diretamente. Dinheiro é só um mecanismo de troca. Dinheiro pode valer riqueza, mas não é riqueza propriamente dita.

Quando dizemos que uma pessoa está pobre, queremos dizer que ela não tem bens para atender a certas necessidades básicas; e não que ela não tem dinheiro. Por exemplo, se uma comunidade sobrevive à base de escambos, ela pode perfeitamente ser rica, a despeito da existência de qualquer meio de troca. Portanto, dinheiro não tem uma ligação direta com riqueza. As pessoas são ricas porque têm bens e serviços, não porque têm dinheiro. Essa confusão advém do fato de que na sociedade contemporânea praticamente tudo que pode ser trocado, é trocado por dinheiro.

Então quando o governo anuncia que vai injetar dinheiro na economia, ele não está injetando riquezas, está injetando pedaços de papéis com fotos de ex-presidentes. Nada mais que isso.

Só que ao fazer isso, ele está roubando a população. Sim, roubando. Imagine que você comprou 1% das ações de uma empresa. Ela lhe garantiu que você é 1% dono dela. Agora vamos dizer, hipoteticamente, considerando possível, que ela resolveu dobrar o número de todas as ações dela e não lhe deu nenhuma. Você agora é 0,5% dona dela. Em outras palavras, você foi roubado.

Com o dinheiro do governo é a mesma coisa. Se você tem 100 dólares, você tem, na teoria, direito a até uma fração X de milionésimo de todos os bens e serviços à venda em dólares. Isso é o que o dinheiro representa. Mas se o governo colocou mais dinheiro na economia, sua fração diminuiu, e você foi roubado. Basicamente, você deu duro para conseguir aqueles dólares e o roubaram depois. Uma parte do seu trabalho foi em vão.

Só que se você perde uma fração do seu dinheiro, alguém a ganha. E advinha quem? Os bancos, instituições financeiras e empresas que fizeram toda sorte de investimentos errados e gastos irresponsáveis e todos os outros que foram enganados pelo dinheiro injetado a mais. Como assim?

As pessoas têm preferências, temporais ou não. As áreas que mais recebem dinheiro são aquelas preferidas pelas pessoas para o uso do dinheiro, seja ele induzido pelo momento e condição financeira ou não. Dessa forma, as áreas menos preteridas começam a dar pouco lucro ou nenhum, ou mesmo prejuízos. E o que os empresários dessas áreas ou os novos fazem em vista disso? Mudam para áreas onde há maior possibilidade de lucro. Só que se essas áreas enchem de novos empresários, pela concorrência o preço baixa e há uma tendência de nova mudança de ares por parte de alguns empresários, a procura de áreas mais lucrativas. E a economia assim vai seguindo seu rumo.

Mas quando o governo resolve colocar dinheiro na economia, ele escolhe onde colocar. Vamos dizer que ele resolva dar dinheiro para o setor têxtil para alavancar as vendas que andam um pouco em baixa. Se as vendas andavam em baixa, era sinal de que as pessoas estavam com preferência temporal para outros setores. Em suma, elas estavam preferindo dar dinheiro para outras áreas, porque, digamos, não achavam necessário comprar mais roupas, e estavam tentando atender a outras necessidades.

Com a injeção de dinheiro no setor por parte do governo, as empresas passaram a poder vender mais barato e continuar mantendo o lucro. As pessoas, em vista às novas promoções, resolvem adiar a compra de roupas para a próxima estação, porque o preço com certeza voltaria a subir. Então elas deixam de atender a outras necessidades para economizar agora na compra de um bem essencial.

E agora se ouvem gritos de agradecimentos seguidos de aplausos para o governo: “O governo salvou o setor têxtil! Viva!”.

Mas, peço um momento. E os outros setores que andavam em alta, como ficaram? Sem verbas. Pessoas que antes teriam roupas e, digamos, computadores novos, celulares, luminárias etc., agora têm muitas roupas – preferiram se prevenir contra o aumento de preços da próxima estação.

Alguns poderiam argumentar que a compra dos computadores, celulares e luminárias foi adiada para a próxima estação. Mas com a queda das vendas na atual estação, muitas empresas fecharão as portas e a concorrência passará a ser menor – muitas, com certeza, se mudarão para o setor têxtil. Com isso, a partir da próxima estação, os preços dos outros setores aumentarão, enquanto o preço do setor têxtil continuará em baixa, mas dessa vez sem ajuda do governo.

Ou seja, muitos empresários foram induzidos pelo governo a fazerem investimentos errados. E o governo, espertalhão como sempre, vem com a solução mágica: resolve ajudar todos os setores em dificuldade, tirando dinheiro da população e dando para eles. Bom, quem quiser saber o resto da história, basta voltar alguns parágrafos.

Perceba, então, que o governo não está criando riqueza para salvar a economia, ele está deslocando parte de seu dinheiro – merecido dinheiro – pra banqueiro não perder o Porsche cromado na garagem.

E qual a justificativa que dão? “As empresas precisam de ajuda para não demitirem.” Ou seja, eles dão dinheiro para as empresas para que elas repassem parte para o povo. Mas de onde veio o dinheiro? Do povo. O mesmo povo que ficou mais pobre para ajudar essas empresas.

sábado, 25 de outubro de 2008

As vantagens do comércio internacional

Mais um texto da série "Escritos do Passado". Este é de julho de 2007.

Um dos mitos pouco questionados em economia é o de que exportar é bom e importar é ruim. Para introduzir o tema, vamos a um exemplo bem simples: o interesse de um padeiro ao realizar suas vendas.

O que motiva um padeiro a tentar vender ao máximo seus produtos? A busca pelo lucro. E lucro para quê? Para comprar mais bens e/ou serviços, claro. Ou seja, ele tenta vender ao máximo para poder comprar ao máximo depois. A melhor forma que ele pode encontrar de aproveitar ao máximo seus recursos é comprar o mesmo tanto que vender, porém tentando vender o mais caro possível e comprar o mais barato possível, para dessa forma poder comprar mais vendendo menos.

Ora, se ele quiser consumir mais que do vender, não terá como pagar suas dívidas, e se ele não quiser consumir e não só consumo imediato, também poupança para gastos futuros tudo o que ganhou, então para que trabalharia para ganhar esse excedente? Não faria o menor sentido trabalhar para não consumir depois. Seria o mesmo que queimar dinheiro.

Uma lógica bem simples, inquestionável até. Mas quando tratamos de países, as pessoas normalmente invertem as coisas. Querem que o país venda ao máximo e compre o mínimo possível, para ter uma balança comercial “favorável”. Se transferirmos a lógica do padeiro para cá, vemos que não faz o menor sentido ter a balança comercial “favorável”, estaríamos enviando nossas riquezas para o exterior sem receber nenhum bem em troca, somente “pedaços de papel”. É literalmente jogar produtos ao mar. Se não queremos nada do exterior, para quê vamos mandar nossas riquezas para fora? Esses “pedaços de papel” não têm exatamente a finalidade de troca? Com o protecionismo, o dinheiro perde sua função de troca, já que deixa de consumir bens de fora. Então, se não vamos trazer nada de fora, não precisamos desses “papéis”, podemos produzi-los aqui mesmo.

Podemos perceber as vantagens do comércio internacional na seguinte fórmula: Y = X.(X-1)/2, onde X é o número de países, e Y o número total de interações possíveis. Por exemplo, se o número total de países é 20, o número de interações possíveis é 190. Se um país se fecha, o número total de interações possíveis passa a ser 171. Se mais um se fecha, agora seriam possíveis somente 153. Diminuindo muito as possibilidades de troca, o que é uma grande perda.

Mas aí alguém pode argumentar que nem todas as interações são boas, o que nos resta duas observações:

1) Se o número de interações boas antes era Z, quer dizer que com o fechamento de um país, no máximo Z interações serão boas, o que não aumenta os benefícios, no máximo restringe possibilidades de interações ruins.

2) Y representa as possibilidades, ou seja, poderiam haver 190 interações, o que não quer dizer que todas ocorram. Algum órgão – no caso dos não-anarquistas, o governo – deve cuidar para que as interações ruins, ou seja, com coerção, não aconteçam. Dessa forma, em tese, teremos só interações boas.

Mas os empregos do país não ficariam comprometidos? Vamos analisar: um país quando abre seu comércio, dá a seus habitantes a possibilidade de comprar produtos melhores e mais baratos. Dessa forma, o poder de compra do consumidor aumenta, já que agora terá que abrir mão de menos dinheiro para obter uma mesma cesta de bens. Com a economia feita para obter os mesmos bens de antes, o consumidor poderá agora gastar mais em outros setores e/ou poupar, aquecendo a economia nos mesmos. Com esse aumento da demanda sentida pelas indústrias, estas terão que comprar mais insumos e terão de contratar mais pessoas para atenderem aos pedidos, aumentando o nível de emprego no país. Então a resposta para a pergunta do início do parágrafo é: no curto prazo sim, no longo prazo geraria mais empregos.

No curto prazo, com a vinda de indústrias de fora, muitos dos setores pouco competitivos da economia perderiam espaço e faliriam. Mas, no longo prazo, com a economia feita pelos consumidores, voltaria a gerar muitos empregos em vários setores.

Quais são os efeitos do protecionismo para um país? Cabe ao consumidor escolher o melhor produto. O governo ao subsidiar a produção, tira dinheiro da população para fazê-la pagar mais caro por um produto pior, ou seja, a população é roubada duas vezes. Isso não me parece nada bom.

Ao “protegerem” (eufemismo para explorarem) os seus mercados, os países se fecham um pouco mais para as importações, para terem uma balança comercial “favorável”. Ao fazerem isso, pecam duas vezes. A primeira é a de praticamente forçar sua população a consumir produtos piores. A segunda é a de ir totalmente contra a lógica que foi apresentada no início do artigo, a do padeiro. Se vende muito para também comprar muito. Não faz sentido vender para não comprar. Nossa vantagem no comércio internacional é aquilo que importamos, pois agregamos mais bens ao país, ou invés de mandar alguns para fora.

Talvez agora alguns concordem comigo, mas ainda estejam pensando que essa vantagem só seria válida se todos os países se abrissem. Ora, se o Brasil se abrisse completamente e o restante dos países se fechassem um pouco mais, isso ajudaria o Brasil a melhorar sua posição perante os outros países.

Explico: o Brasil seria o único país do mundo a ter contato com todas as tecnologias de forma rápida já que acabaria com a burocracia no setor e barata. Seríamos os mais aptos a ter os melhores parques tecnológicos. Poderíamos oferecer o que há de melhor no mundo para nossos consumidores. E com mais contato com diversos produtos, seríamos os mais aptos a desenvolvermos também os melhores produtos, ganhando mercado externo, mesmo que agora mais fechado. Enquanto os outros países estariam fadados a consumirem somente aquilo que produzem, e aquilo que outros produzem, porém mais caros.

Claro que todos sairiam perdendo, já que com os países sem dividirem suas tecnologias iriam desenvolver menos seus produtos basta imaginar as fábricas dos EUA sem ter contato com os produtos japoneses.

Qual a vantagem para as indústrias? Possibilidade de contato com melhores tecnologias antes apenas um sonho distante e caro , e conseqüentemente uma melhoria no maquinário, que gerará mais lucros, alavancando a economia. Quem não se lembra da lei de informática no Brasil? Essa lei, que visava proteger as indústrias locais da concorrência de exterior, foi a responsável pelo atraso brasileiro não só na área de informática, mas em muitas outras. Um computador similar chegava a custar cerca de 5 vezes mais aqui dentro do que lá fora. Seria impossível imaginar empresas hoje sem computadores. Nosso mercado foi “protegido” (explorado) justamente na época em que houve uma grande revolução no setor, fazendo com que nossas indústrias ficassem bastante atrasadas em relação às indústrias de fora. Sem ter contato com o que há de melhor em tecnologia, não tem como competirmos lá fora, deixando de exportar e, conseqüentemente, importar.

E por que, mesmo com a Lei de Informática, nossas indústrias do setor não se desenvolveram? Temos duas respostas principais para isso: a primeira é a já citada falta de contato com as tecnologias de ponta, e a segunda é a falta de competitividade. Se não há competição, não há incentivo para a inovação. Não há razão para alguém se esforçar ao máximo para inovar se não sofre grande concorrência. Esses motivos, somados à outras possíveis limitações impostas pelas barreiras comerciais, foram responsáveis por nosso grande atraso no setor de informática e em vários outros dependentes de computadores bem hoje indispensável.

Outra coisa que o leitor deve estar se perguntando é se grandes tecnologias não tenderiam a diminuir o nível de emprego aqui dentro, já que são poupadoras de mão-de-obra. Vejamos: as máquinas custam menos para as fábricas do que humanos e ainda fazem o serviço mais rápido, logo, garantem mais lucro para os donos. Sendo assim, esse maior lucro não vai ficar parado, tendo em vista que o capitalista que empregou seu dinheiro em tal ramo sempre busca cada vez mais lucros; então o lucro excedente vai para o aumento do seu consumo em outra área, que gera mais empregos, ou para outra área em que ele queira investir, que por sua vez também gera mais empregos.

Mas se o capitalista não quiser mais empregar seu dinheiro em nada, não quiser consumir mais nada, estando satisfeito com o que tem? Então ele o irá guardar em bancos, que por sua vez vão lhe pagar uma quantia mensal para que o seu dinheiro fique por lá, e enquanto isso o banco usufrui desse dinheiro e por sua vez investe em alguma área, que acaba gerando mais empregos.

Mesmo se ele guardar esse dinheiro em um colchão, a sociedade não perde nada. Porque se o cara simplesmente tirar o dinheiro de circulação, a utilidade marginal de cada unidade monetária vai subir de qualquer forma e nada vai mudar.

Essa abertura não inibiria os setores locais de se desenvolverem? Muito pelo contrário, forçaria a competição e incentivaria a inovação. Muito argumentam que os produtos externos “devastariam” nossas indústrias, de tal forma a quebrar as existentes e gerar desemprego e miséria. Mas, como dito no início, se não exportamos, não há como comprarmos de fora; então como vamos comprar coisas de tal forma a quebrar as indústrias nacionais sendo que as compras estão limitadas pelas vendas?

Mas ainda temos que acabar um mito: a de que a riqueza é estática. Riqueza é a abundância de produtos desejáveis. Para gerar riqueza é preciso trabalhar em algo que você deseja diretamente ou que os outros desejam, através do mercado. Se uma pessoa trabalha e produz algo que não possui um valor de mercado superior ao valor dos insumos e do tempo alocado, essa pessoa desperdiçou os insumos e seu tempo, e destruiu riqueza.

Às vezes isso envolve um risco empreendedor: você pode ter produzido algo que tinha valor na época que você começou, mas ao terminar não possui valor superior aos insumos.

Muitos argumentam a falácia de que primeiro precisamos crescer e desenvolver para depois abrirmos nosso comércio, e não percebem que nosso atraso se dá justamente por nosso comércio tão fechada e taxado, pelos motivos já supracitados: falta de competitividade, produtos caros, pouco contato com tecnologias de ponta e grandes restrições.

Outra coisa boa que vem de forma lenta e gradual com livre comércio – esta também lenta e gradual – é a diminuição dos impostos, para dar mais competitividade para as empresas nacionais lá fora. O que aumenta o poder de compra da população e também gera mais empregos. Com menos desemprego, sobem os níveis salariais que aumentarão o consumo da população, que poderá, entre outros, gastar mais com saúde e educação, e que novamente diminuirão o desemprego.

Com menos impostos e mais livre comércio, não há empresa que não se sinta atraída a investir no país. O maior desincentivo que se tem ao empreendedorismo é ter que dividir o que se ganha com outros contra a própria vontade efeito causado pelos impostos. Só os baixos impostos seriam um grande atrativo, mas com o livre comércio, a atração se torna ainda maior, pois empresas precisam de insumos para produzirem, e com a ausência de taxas alfandegárias elas podem comprar também muito mais barato que em outros países. Que empresa não gostaria de investir em um país assim? (Aliás, azar de quem não quisesse, perderia em competitividade.)

Então a fórmula para o desenvolvimento não é crescer para abrir e sim abrir para crescer.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Não há crise, mesmo

Corroborando com o tratado do Gustavo que coloquei abaixo, encontrei uma sopa de letrinhas:

OCC (Office of the Comptroller of the Currency);
SEC (U.S. Securities and Exchange Commission);
FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation);
FHFB (Federal Housing Finance Board).

Preguiça de abrir os links, né? Então, para resumir, são todos órgãos reguladores nos EUA ligados aos atuais setores em "crise", provando que não faltou regulamentação e que não há, portanto, crise.

Ah, tem o Fed (banco central americano) também, mas para alguns ele nem existe. Deve ser sua função pouco importante de controlar toda a quantidade de moeda que circula na economia, bem como seu valor e o crédito no país, além de ditar algumas normas para bancos, fora outras regulaçõeszinhas mais...

Se se interessarem, tirei a sopa de letrinhas daqui. Recomendo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sobre a crise imobiliária

Para entender melhor a crise imobiliária, leia A Crise - Um Tratado em Tópicos, escrito por Gustavo, do Singelo Mundo. Sem dúvida o melhor tratado já escrito sobre a crise.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A nova estagflação?

Nota: texto escrito por mim no começo do ano.

Para começar a desenvolver o meu raciocínio de que a economia americana estaria rumando para uma nova estagflação, acho necessário citar alguns dados da economia americana e explicar alguns conceitos para os leigos.

Serão dois os conceitos muito usados por aqui, inflação e recessão. Inflação é o aumento generalizado de preços na economia. Isso significa que a média de preços dos produtos e serviços mais importantes (que entram no cálculo) aumentou. Ou seja, com uma mesma quantidade de moedas se compra menos coisas do que se comprava antes da inflação. O que não significa que todos os produtos tenham aumentado de preço, apenas aumentaram na média. Há inflação quando há um aumento na quantidade de moedas em circulação sem contrapartida do aumento da quantidade de produtos e serviços. E recessão é quando a produção econômica de um país cai.

Vamos aos dados agora. Para começar, os EUA importam muito mais do que exportam. O que isso significa na prática?

Significa encher o território americano de produtos e serviços em troca de dólares como contrapartida. Ou seja, a maior potência mundial mantém o seu padrão de vida trocando bens por pedaços de papel. E isso é bom para a economia, já que pode contar com mais produtos e serviços. Até aí não haveria nenhum problema, se não fosse o Federal Reserve System, o Fed, que, querendo manter essa política a níveis maiores, e abusando do dólar como moeda padrão, começou a emitir dólares demasiadamente, para poder continuar comprando cada vez mais de fora. Hoje, a economia americana importa cerca de US$1,9 trilhão por ano, enquanto exporta cerca de US$1,2 trilhão no mesmo período. Isso dá um déficit na balança comercial de cerca de US$700 bilhões anuais.

Esse enorme déficit foi financiado por um número maior de dólares na economia. Explicando, como o país detém a moeda padrão, vários países do mundo acumularam reservas na moeda americana – uma espécie de seguro contra choques internacionais. Estas reservas hoje somam cerca de US$11 trilhões espalhadas entre BC’s de todo o mundo. Ou seja, é desejável para os países acumularem uma certa quantidade de dólares. Quanto mais o governo emite essa moeda, mais os americanos podem comprar produtos de fora, já que as trocas no mercado internacional são feitas em dólares.

No final das contas, se o Fed não abusasse desse poder que tem o dólar e continuasse uma política monetária séria, esse déficit de US$700 bilhões seria menor.

O que acontece agora é que com mais dólares espalhados pelo mundo, o valor da moeda caiu – ora, o dólar também reage à Lei da Oferta e da Procura. O dólar baixo significa que para os americanos passa a ser mais interessante exportar mais e importar menos, já que os produtos de fora ficam mais caros (passa a ser necessário mais dólares para comprar os mesmos produtos de antes, já que o dólar perdeu valor).

Isso significa, na prática, que os EUA passarão a trocar seus produtos por dólares, que voltarão para casa. Menos produtos na economia e mais dinheiro em circulação gera aumento geral de preços nos produtos internos, isto é, está por vir inflação das grandes em solo americano, se tudo continuar como está.

Então resta para o Fed controlar a inflação para evitar problemas maiores. Para controlar a inflação, o banco central americano terá que parar de emitir dólares na economia – ou começar a emitir em ritmo decrescente – e aumentar a taxa de juros (estes controlam a inflação uma vez que fica mais caro circular moedas na economia – menos dinheiro circulando na economia, menos inflação). Mas ele vai se deparar com vários problemas.

1) O crescimento americano já não está alto; um aumento nas taxas de juros força uma recessão econômica já que juros altos desestimulam os investimentos (pegar dinheiro emprestado fica menos interessante).

2) A emissão de dólares está tendo a função de também financiar o déficit fiscal americano, já que, atualmente, os EUA se deparam com um grande déficit na conta corrente. Isso significa que os americanos estão comprando menos títulos do que vendendo. A desvalorização do dólar faz aumentar as exportações, o que eleva a quantidade de dólares no país e ajuda o país a financiar sua própria dívida. Ou seja, se o país parar de emitir moedas não vai conseguir financiar suas dívidas. No final das contas o país precisa continuar inflacionando a própria economia para pagar suas dívidas. Com mais inflação ainda, torna-se necessário aumentar mais ainda a taxa de juros no futuro, que vai frear mais ainda o crescimento.

Ou seja, os EUA precisam escolher entre frear a economia e não pagar as próprias dívidas, rolando-as mais para frente ou inflacionar mais ainda a economia para quitar as dívidas e ter uma recessão mais forte no futuro.

A estratégia de continuar inflacionando a economia para pagar as próprias dívidas é ousada, e o maior problema é saber até quando eles podem suportar inflação alta sem maiores problemas e se a dívida estará paga até lá. Ou então saber se aumentando os juros agora e controlando a inflação para manter a estabilidade da moeda, e conseqüentemente rolando a dívida para frente e gerando recessão agora, será melhor.

Para exemplificar o poder que o Fed tem para fazer uma economia entrar em recessão, e invariavelmente sempre fará, vamos analisar uma medida tomada por este órgão recentemente.

Um grande número de moedas na economia, fruto da política do Federal Reserve, somado com as baixas taxas de juros, praticadas pelo mesmo órgão estatal, geraram um oba-oba no crédito. Mais dinheiro na economia e juros mais baixos incentivam o investimento. Muitas pessoas que não tinham como pagar empréstimos acabaram pegando emprestado o dinheiro, impulsionadas por essas políticas do banco central americano. A bomba acabou estourando no mercado imobiliário. O que aconteceu é que isso gerou créditos podres – alguém que emprestou não vai receber. Mas como não tem como saber quem não vai pagar, isso acabou criando um receio no mercado, ninguém mais emprestava para mais ninguém.

O que o Fed fez para solucionar esse problema? Injetou mais dinheiro (liquidez) no mercado. Dessa forma, com mais dinheiro disponível no mercado, o risco de receber títulos podres caiu e as pessoas voltaram a emprestar umas para as outras. Ou seja, para resolver um problema de excesso de liquidez, o Fed injetou mais liquidez! É impossível não fazer a comparação com um bêbado, que bebe mais para adiar a ressaca. Mas uma hora ele não vai mais agüentar beber e a ressaca vai vir, e pior.

Na prática, o que o Fed fez foi adiar algo que cobrará seu preço depois. E assim pessoas enchem o peito para dizer que o Fed salvou a economia, quando o que ele fez foi adiar o problema.

Entendido o problema pela qual passa a maior economia do mundo, podemos apontar algumas soluções para o problema.

Os EUA terão que enxugar o excesso de moedas de circulação, mas não podem frear o crescimento e nem parar de financiar a própria dívida.

Uma das soluções é diminuir os gastos públicos e recolher o próprio dinheiro. Como assim? O país recolhe uma certa quantidade de dinheiro por ano (impostos), essa quantidade de dinheiro é repassada para a população em forma de serviços. O que proponho é que o governo diminua a quantidade de serviços, mas não diminua os impostos (por ora) para economizar gastos. Dessa forma, vai sobrar uma certa quantidade de dinheiro. E é exatamente essa grana que ele deve usar para pagar a própria dívida, para não continuar dependendo do aumento das exportações, que gerarão inflação. (Vale ressaltar que o dinheiro usado para pagar a dívida retornará à economia, pressionando novamente a inflação; mas dentre os males, creio eu ser este o menor.)

Outra proposta seria abolir toda e qualquer restrição à livre circulação de mercadorias. Ora, se o problema é que as importações irão diminuir agora por causa do dólar desvalorizado, seria interessante estimular a mesma. E a melhor maneira seria tirando as restrições ao livre mercado.

Dessa forma, as exportações continuarão estimuladas pelo dólar desvalorizado e as importações também, amenizando os problemas. O governo continuaria recebendo as dólares das exportações para pagar as dívidas ao mesmo tempo que haverá menos inflação.

E também seria de extrema importância que o governo liberasse a circulação de toda e qualquer moeda na economia1. Por quê? O que os governos fazem hoje é liberar somente as transações em suas moedas (real, no caso do Brasil). Dessa forma, eu não posso pagar em dólar para o dono de uma padaria, por exemplo, pelos produtos que ele me vendeu aqui. Só posso pagar em real. O governo, assim, detém o monopólio da moeda.

Liberando a circulação de moedas, o governo perde o seu poder de inflacionar a economia (emitir moedas em excesso) já que as pessoas tenderiam a parar de usar uma moeda inflacionada e de baixo valor. Assim, quando o governo abusasse do poder que tem a moeda e a emitisse em excesso, seja para pagar gastos, seja para importar mais – como no caso dos EUA--, as pessoas simplesmente parariam de usar essa moeda para usar outras. Ora, ninguém vai querer poupar ou receber em uma moeda que perde seu valor com o tempo.

Para exemplificar isso, tivemos o caso da Gisele Bündchen que há pouco tempo atrás disse que só faria trabalhos se fosse receber em euros2, devido a recente desvalorização do dólar. Ou o Irã que acabou de anunciar que não venderá mais petróleo por dólares. E espera-se que o restante dos países da OPEP faça o mesmo.

Então, liberando-se a livre circulação de moedas, toda vez que uma perdesse valor, ela seria substituída por outras, pela vontade dos consumidores. Essa medida acaba forçando a estabilidade monetária por parte do governo. Em outras palavras, essa medida teria evitado a crise que está por vir este ano.

Como o Fed não tomará nenhuma dessas medidas, por impossibilidade política ou qualquer outra coisa, a economia americana está rumando para ter inflação e desaceleração econômica, e conseqüente desemprego; isto é, estagflação.

Então vem a inevitável pergunta: para que precisamos de um banco central?


1 No caso dos EUA, a informação não é totalmente verdadeira, já que na teoria (exemplo de como na prática é diferente) o dólar só tem o curso forçado, mas a concorrência é liberada.

2 A informação foi desmentida dias mais tarde.